quarta-feira, 26 de outubro de 2011

PARA RIR UM BOCADINHO

Há cerca de 120 anos, Portugal estava a atravessar uma crise levada da breca. Nos idos de 1891, Rafael Bordalo Pinheiro parodiava o assunto do modo que se segue. Volvido um século, estou em crer que a receita poderá ser a mesma!
(as imagens ampliam-se uma a uma. E vale bem a pena!)

Subordinada ao título O QUE NÓS SUPRIMIRÍAMOS...








Aqui a deixo na sua integralidade:


E agora, bom fim-de-semana, que amanhã estou de abalada para Rebordaínhos!

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

CORRER DA VIDA

“Elas já perceberam. Vejo-lhes a tristeza nos olhos. Sabem que vão ser vendidas!”

Era isto que me confidenciava o tio António Piloto a quem os oitenta anos obrigavam, por já não poder trabalhar, a desfazer-se da junta de vacas. “Elas são como as pessoas, compreendem tudo!”

Induzida, talvez, pelas palavras daquele homem bom e sábio, dei por mim a fitar atentamente as duas vacas, jungidas ao carro, e a confirmar a plangência do seu olhar. Varou-se-me a alma!

Recuei à meninice, ao tempo em que eu e a minha irmã Olímpia éramos os reichequitos da família e, entre nós, decidíramos que a Andorinha era dela e a Novela era minha. Tal posse não queria dizer nada, a não ser horas de discussão sobre qual das vacas era a mais bonita e tinha as melhores prendas. Verdade, verdadinha, a Olímpia calava-me quase sempre, rematando com acinte: “a Novela é espantada como tu!”

Como todas as da aldeia, eram duas vacas mirandesas, brilhantes do bom trato, com a Novela a passear a sua cor de castanha corada e a Andorinha a exibir-se em nobrezas de ouro velho. Era ela a boa criadeira, pois o seu úbere túrgido oferecia-se aos filhos até que os visse saciados e, satisfeitos, se deitassem a ruminar o prazer. Nunca, porém, podia parir sozinha, porque na sua ânsia de ver a cria a mamar, dava-lhe escornadelas até que se erguesse, correndo o risco de a ferir.

As crias da Novela andavam sempre magras, apesar de ser mãe tão solícita como as demais. A primeira vez que pariu foi um desassossego. Cada vez que a vitelinha se acercava dela para mamar, dava-lhe coices e afastava-se sem permitir que lhe tocasse. O meu pai e a minha mãe andavam ralados. Chegavam-lhe a filha, para que a cheirasse, mas ela bramava de tal modo que tinham que lha esconder da vista.

“É preciso defumar a vaca”, sugeriu a tia Vermelha à minha mãe, mas o Fouce, que gostava pouco de coisas que lhe parecessem bruxedo, proibiu-o peremptoriamente.

Como em tudo, a teimosia das mulheres levou a sua avante. Deixaram o meu pai sair para Arufe, juntaram os ramos de oliveira benzidos no último Domingo de Ramos, aspergiram-nos com a água benta, meteram-nos num caldeiro e foram-nos acender à loje. Aquilo é que foi! Mal o fumo lhe chegou às narinas, a Novela levantou-se e, meigamente, foi lamber a cria, convidando-a a mamar. Operara-se o milagre.

A Novela era ciosa da sua dignidade vacaril. E da dignidade de uma vaca faz parte o direito à boca livre para poder saborear os rebentos tenros, mormente quando está a lavrar, jungida à charrua. Por isso, ninguém ousasse aparecer-lhe com a focinheira! Um dia, a Amélia atreveu-se, estando o pai a agradar na Ribeirinha. Mal a avistou, desatou em corrida tamanha, que foi ela, foi grade e foi tudo atrás. Com que custo se deixou apanhar! A raiva às focinheiras era tal, que o meu pai se viu obrigado a tirá-las de detrás da porta da loje, onde costumava pendurá-las, porque, assim que se abria a porta e a luz da rua incidia nelas, a vaca pulava e corria a esconder-se na parte mais funda do curral.

Habituada pelo meu irmão Pedro, a Novela só fazia as coisas se fossem pedidas com bons modos e gesto meigo. Que ninguém lhe tocasse nos cornos! Se lhe aparecessem com a aguilhada, firmava as patas e não havia quem a demovesse. Mas se em vez da aguilhada apanhassem uma palha e lha encostassem atrás da orelha, fazia tudo quanto quisessem. Mansinha!

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Os homens antigos só sabiam viver enquanto trabalhavam a terra e, por isso, demoravam tanto a reconhecer que já não podiam mais. O arrastamento do trabalho pelos anos da sua idade era o tempo que se davam para resolver a luta interior em que se opunha o natural desejo de preservar a vida e a constatação de que o fim se aproximava. O apego ao trabalho certificava-lhes a vida. Quando, finalmente, aceitavam que no dia seguinte se não levantariam à mesma hora das outras pessoas, estavam a entregar-se à morte. Mansamente.

“As vacas são muito inteligentes”, dizia-me o tio António, na conversa do início. Percebi, então, que ele queria que eu visse nos olhos delas a dor que era ele que sentia, mas que, por pudor, não traduzia em palavras.

A Novela e a Andorinha foram a última junta de vacas do meu pai. Por isso se me varou mais a alma!

domingo, 16 de outubro de 2011

NOTÍCIA

É já amanhã, segunda-feira, que o jornal Mensageiro procederá ao lançamento do livro Figuras Notáveis e Notórias de Bragança. Entre essas figuras constará o nosso Sr. Professor - professor Ribom - que tantas marcas deixou em nós e na nossa terra. O jornal, como pode ler-se na notícia, convida os leitores e os familiares das personalidades em causa a participarem na cerimónia.


Se algum dos nossos leitores for ao lançamento do livro, peço-lhe encarecidamente que faça o favor de comprar um exemplar para mim, que pagarei assim que for a Rebordaínhos. Desde já, muito obrigada.
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Peço desculpa pelo aparente abandono a que votei esta página, não publicando novos artigos nem respondendo aos comentários. Na verdade, mais dos que as incumbências profissionais, o que me tem limitado é a avaria no meu computador.

domingo, 9 de outubro de 2011

Topónimos

DO NABALHO AO LABANHO


Vem este artigo a propósito do anterior que mostra fotografias tiradas do alto do Nabalho/ Navalho, topónimo a cuja pesquisa dediquei várias horas, entre dicionários portugueses e estudos espanhóis em línguas galega e aragonesa.

José Pedro Machado identifica Navalho (Dic. Onomástico) como derivando de "nava" que define como planura, planície cercada de montanhas (Grande Dic. L. Port.). No entanto, o aragonês Jesús Vázquez Obrador (ver aqui, entrada 'Nabayuelo' pág 190) informa-nos que, quer em castelhano, quer em leonês, "Nava" é lugar inundado o pantanoso.

Começam, aqui, a surgir as minhas dúvidas. Com efeito, boa parte do Nabalho é plano, sendo essa parte muito húmida (que não é difícil imaginar como alagadiça). Mas o resto do lugar faz parte de uma encosta - realidade contrária, por isso, à ideia de planura e de pântano, o que afasta a designação do nosso lugar dos significados anteriores.

Os autores do
"Terras Quentes", de Macedo de Cavaleiros, identificam Navalho com "navalhão", pedaço de terreno húmido entre as searas que se não cultiva para que dê erva, no que são conformes com José P. Machado (GDLP). Confesso que esta associação entre as duas designações não me satisfaz muito.

Se tiveram curiosidade em lê-lo, o autor espanhol que referi acima radica Nabayuelo em Labayo - que teria sofrido a mudança do 'l' inicial em 'n'. Pensemos juntos:

Labaio > Nabaio > Nabalho ?

e (nasalando o 'a')...

Labaio (labãio) > Labanho ?

E não é que o Labanho, ali em Arufe, é tudo aquilo que foi dito acima? Pois não é ela uma terra plana cercada de montes e também alagadiça?

Curiosamente, os já citados autores do "Terras Quentes" apontam como significado de Labanho uma explicação que combina pouco com o nosso caso: chiqueiro.

Não sou linguista e, por isso, é possível que aquilo que escrevi não seja mais do que um exercício pessoal de imaginação. Mas gostaria muito de ouvir a vossa opinião, mais abalizada do que a minha, por melhor conhecedores dos lugares e/ou por maiores conhecedores da língua.

Nesta página - Celtiberia - podem encontrar uma conversa interessante sobre o assunto.
Quem estiver interessado poderá consultar também este trabalho aragonês

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Perenidade


Com efeito, para onde quer que se volta a alma do homem, é para seu sofrimento que se fixa em outro lugar que não seja em ti, embora se fixe em coisas belas fora de ti e fora de si, que, no entanto, não existiriam se de ti não recebessem o ser. Elas nascem e morrem, e nascendo como que começam a ser, e crescem para se aperfeiçoar, e uma vez perfeitas envelhecem e morrem: e nem todas envelhecem mas todas morrem. (Santo Agostinho, Confissões)

Às vezes apetece-me dar ao tempo, o atributo que Santo Agostinho dá a Deus: aquele que é fora do tempo. Este “fora do tempo” é a antítese de qualquer tempo porque significa perenidade, em oposição à finitude e à degradação.

Nas nossas paisagens tudo remete para esse "sem tempo", como se o Éden fosse vivo e possível.



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As fotografias são de um nascer do Sol em Outubro de 2007. Alguém será capaz de dizer onde foram tiradas?

domingo, 2 de outubro de 2011

Desafio

III

Quem adivinha a localização de cada uma destas pedras, onde estão inscritas as seguintes datas?


1ª. 1805 - Rebordainhos, à Chave - Casa de António Júlio Pereira


2ª. 1940 - Pereiros - Fonte junto ao lavadouro


3ª. 1737 - Rebordainhos, Outeiro - Casa da tia Perpétua



Obrigado a todos!