domingo, 25 de outubro de 2015

SCENA DO ODIO

Hoje apetece-me Almada Negreiros. Porque sim.

                                                      (...)
O seculo-dos-Seculos virá um dia
e a burguezia será escravatura
se fôr capaz de sahir da cavalgadura!
Hei-de, entretanto, gastar a garganta
a insultar-te, ó bêsta!
hei-de morder-te a ponta do rabo
e pôr-te as mãos no chão, no seu lugar!
(…)
Ó burguezia! ó ideal com i pequeno!
Ó ideal ricócó dos Mendes e Possidonios!
Ó cofre d'indigentes
cuja personalidade é a moral de todos!
Ó geral, da mediocridade!
Ó claque ignobil do vulgar, protagonista do normal!
Ó catitismo das lindezas d'estalo!
Ahi! lucro facil,
cartilha-cabotina dos limitados, dos restringidos!
(…)
Ahi! Zero-barometro da Convicção!
bitola dos chega, dos basta, dos não quero mais!
Ahi! plebeismo aristoctatisado no preço do panamá!
erudição de calça de xadrez!
competencia de relogio d'oiro
e corrente com suores do Brazil,
e berloques de cornos de buffalo!
E eu vivo aqui desterrado e Job
da Vida-gemea d'Eu ser feliz!
E eu vivo aqui sepultado vivo
na Verdade de nunca ser Eu!
(…)
E vós tambem, ó toda a gente,
que todos tendes patrões!
E vós tambem, nojentos da politica
que exploraes eleitos o Patriotismo!
Maquereaux da Patria que vos pariu ingenuos
e vos amortalha infames!
 E vós tambem, pindericos jornalistas
que fazeis cócegas e outras coisas
à opinião publica!
(…)
Ah! que eu sinto, claramente, que nasci
de uma praga de ciumes!
Eu sou as sete pragas sobre o Nylo
e a alma dos Borgias a penar!
José de Almada Negreiros, 1915
______________

Tonho: o "Tareco" não me bastaria.

6 comentários:

A. Fernandes disse...

Fátima:

Realmente este Almada é ainda mais corrosivo que o Tareco!
Ou este texto ou o Manifesto anti-Dantas. Este Almada é de partir a louça toda e ainda lhe sobrar tempo para ir pintar uns azulejos ou rabiscar a fachada da Fac de Letras de Lisboa.
Não sei bem porquê, mas estas diatribes soam-me a muito actuais. Será da idade, será da minha vista cansada?...

Um abraço

Tonho

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho

Se é idade ou vista cansada, padeço da mesma dúvida. Eis aqui um bocadinho do Eça em dia em que não precisou do Bei de Tunes:

"Há muitos anos que a política em Portugal apresenta este singular estado:
Doze ou quinze homens, sempre os mesmos, alternadamente, possuem o poder, perdem o poder, reconquistam o poder, trocam o poder... (...)
Quando quatro ou cinco daqueles homens estão no poder, esses homens são, segundo a opinião e os dizeres de todos os outros que lá não estão - os corruptos, os esbanjadores da fazenda, a ruína do País!
Os outros, os que não estão no poder, são, segundo a sua própria opinião e os seus jornais - os verdadeiros liberais, os salvadores da causa pública, os amigos do povo, e os interesses do País.
Mas, coisa notável! - os cinco que estão no poder fazem tudo o que podem para continuar a ser os esbanjadores da fazenda e a ruína do País, durante o maior tempo possível! E os que não estão no poder movem-se, conspiram, cansam-se, para deixar de ser o mais depressa que puderem - os verdadeiros liberais, e os interesses do País!
(...) Ora, como todos os ministros são tirados deste grupo de doze ou quinze indivíduos, não há nenhum deles que não tenha sido por seu turno esbanjador da fazenda e ruína do País...

Junho de 1871, in Uma Campanha Alegre


Beijos

Anónimo disse...

Fátima,

Só o Eça para nos brindar com esta síntese perfeita. Ele já morreu há muito tempo, mas as suas ideias encaixam na realidade atual como peças de Lego.
A Catarininha tem muita lábia, mas, se o Cavaco lhe der rédea solta, não fará melhor do que o camarada Tsipras da Grécia.
O texto do Eça "é uma beleza!", como ele costumava dizer.

Cumprimentos

Fátima Pereira Stocker disse...

Anónimo

Parece-me que está a reivindicar para o PR um poder discricionário à semelhança do poder moderador que existia (nas mãos do rei) quando o Eça viveu: quando os resultados das eleições lhe desagradavam, o rei, zás, nomeava uns poucos de pares que impedissem a câmara dos deputados de legislar como entendia. Se bem me lembro, essas e outras fizeram com que a realeza acabasse mal: assassinada primeiro e derrubada depois por uma revolução. Não queremos repetir isso, pois não?

Cumprimentos

Anónimo disse...

Fátima,

O que está em causa é o superior interesse nacional!
Quem subestima a fogosidade do animal (político) que é a doutora Catarina Martins acabará nas mãos dos credores, sujeito a mais um humilhante Resgate da Troica. Lá vamos ter de mudar outra vez os nomes das nossas terras e perder mais três ou quatro feriados! O problema da nação é não ter dinheiro. Assim à primeira vista não me parece que a Doutora do Bloco disponha de uma máquina de fazer notas e moedas. Ela, pelo contrário, quer, com um só golpe cirúrgico, destruir a dívida e o euro!
Acima dos ideais dos bloquistas, está o facto nu e cru de que verdadeiramente de seu Portugal tem apenas uma dívida colossal! Por muito que lhe custe aceitar, não são as retóricas que pagam as dívidas!

Cumprimentos

Fátima Pereira Stocker disse...

Anónimo

Tenha paciência, mas não vou continuar, por me não parecer o espaço indicado para o fazer.

Cumprimentos