quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

ECOS DO MEU SENTIR - X -

“O meu rapaz…”  “O senhor António…” “ O piloto…”

por: FILINTO MARTINS

              
                Dia 31 de Janeiro faz precisamente 3 anos que o “senhor António” se encontrou novamente com a tia Felicíssima, tendo como prémio um dia lindo de sol como despedida, pois ela não estava disponível para lhe fazer uma fogueira ou aquecer as meias, como era seu hábito, quando o senhor António chegava a casa, molhado e com frio. Unidos e amigos em vida, unidos na mesma campa.
Há 33 anos vencera ele a morte, após uma delicada operação… “os meus garotos precisam de mim…”, confidenciou-me, precisamente no ano em que eu casei. Mas desta vez o tempo era dele, o tempo que nunca teve para descansar, concedeu-lho o Senhor.

Voltemos anos atrás.
Fazendo horas para ir regar as batatas e outros trabalhos, enxotando as moscas atrevidas, eis que meu pai diz para o tio Manuel Frade:
- Olha, vem aí “o meu rapaz”.
Andar apressado, como era seu hábito, atirou sem mais:
- Querem saber a melhor? “Cortaram as batatas” ao João Santo.
- Estava um batatal lindo! – ripostou o tio Manuel – ainda ontem lá passei.
Era um diálogo entre adultos, pois nos meus cinco, seis anos não percebia nada, mas disse para comigo: “hei-de ir ver”. E se melhor o pensei, mais depressa o fiz. Para meu espanto, as batatas estavam viçosas, com flor e a rama toda… ninguém as tinha cortado. (Para os esquecidos e mais novos, relembro que “cortar as batatas” significava reprovar a colheita das mesmas. O agricultor teria que as vender enquanto as aprovadas em classe A – B ou C seriam vendidas pelo estado que as pagava em função da classe e as exportava.)

“O meu rapaz” sabia mais de batatas que a maioria dos Agrónomos da época. Pelo menos fiquei esclarecido e nunca mais esqueci o número do meu pai, como agricultor de “batata certificada”. Era o número 28.
Muitos anos mais tarde, dizia-me ele, na sua sabedoria de agricultor de longa experiência, sem canudo universitário:
- Ó rapaz, os nossos governantes estão a dar cabo da agricultura. Não saem dos gabinetes e as batatas já lhes aparecem no prato e descascadas. Arruínam o petróleo da nossa terra. “Eu já cá não estarei, mas alguns terão que voltar à terra ou emigrar”.
Não se enganou o Piloto.

Quando eu nasci já o António andava na tropa. Só mais tarde, andava eu na Faculdade no Porto, pude ouvir muitas das suas histórias, que gostava de relembrar. Apenas uma: “Estava no Porto e um senhor de “trás da serra” pediu-me para lhe indicar uma rua. Quando íamos no elétrico, junto ao rio Douro, ele exclamou: Ena, o que aqui vai d’auga, rapaz. Isto é que dava jeito para regar as batatas lá da terra. Ó homem, ficou tudo a olhar para nós e eu fiz de conta que nem o conhecia.”
Demasiado desinteressado de si, nem a carta de condução renovou. Sendo censurado por tal, dizia para quem o queria ouvir: “para conduzir o carro das vacas não preciso de carta”. E se na agricultura era um ás, o mesmo não se pode dizer relativamente à arte da culinária. Estando a Maria adoentada, pediu ao António que fosse à cozinha aquecer-lhe um chá, que estava feito. Com todo o carinho, foi e aqueceu-lhe a água das alcaparras, que estavam no armário… provavelmente ainda foi melhor o xarope.

A alcunha de “piloto” ficou a devê-la ao primo Jaime, provavelmente devido à sua carta de condução. “Já que a carta não serve para conduzir o carro, vais pilotar algum avião”.
Naqueles tempos a obediência aos pais ou mais velhos era cega. Ouvi ao meu pai contar uma ida para o campo, ainda com estrelas, mal se via o caminho, como reagiu “o meu rapaz”. Eu disse-lhe, pois ia meio a dormir:
- Vai pró carro.
Passos andados, meu pai olhou para o carro e não o viu. Queres ver que caiu? Ao longe ouviu um barulho ofegante e chamou:
- António…
- Senhor – respondeu já longe.
- Onde vais?
- O pai mandou-me para casa.
- Não, homem.
A confusão carro e casa nem se questionava, mesmo que o medo fosse tal.
“O meu rapaz” era assim, obediente.
Provavelmente também não ouvia bem, ou fez-se desentendido, pois desta ficou a lucrar. Com alguma frequência acompanhava o Padre Filinto (deve ter sido daqui que herdei o nome) quando ia celebrar missa aos Pereiros e outras aldeias, que se deslocava no seu cavalo. Ter-lhe-á dito:
- Vai pelo cavalo.
Ele entendeu: “vai a cavalo”. Se bem o entendeu melhor o fez. Veio para Rebordainhos no cavalo e o Padre veio a pé, pois naqueles tempos não havia telemóveis, nem telefone. Provavelmente até foi um passeio saudável para o Padre Filinto.
O Piloto era assim, obediente e ainda não tinha carta de condução.
Contou-me a nossa mãe, se a memória não me atraiçoa, que ele foi a uma festa e ela disse-lhe:
- António, o que se põe no prato é para comer, não se deixa nada que é feio.
 Comeu e bem comeu. Só que a um dado momento, já ele não conseguia comer nem uma migalha, puseram-lhe no prato uma coxa de galinha. Como resolver o problema, agradando a gregos e a troianos? Quando chegou a casa deu a coxa à minha mãe e disse:
- Eu não podia comer mais, puseram-me a coxa no prato e como a mãe me disse para não deixar nada, eu vi-os todos distraídos e meti-a ao bolso.
Era assim o António, obediente e educado.

Numa ida à taberna do tio Eurico tomar uma bica, como era meu hábito nas idas à aldeia, nas férias do Verão, ele confidenciou-me:
- Ó Filinto, o teu irmão António não tem tempo, homem…
Não percebi a piada e perguntei-lhe porque é que não tinha tempo.
- Ó rapaz, ele vai cedo regar as batatas lá para Vila Seco e volta sempre num passo apressado. Há dias passou aqui, vinha de encerrar os cordeiros e perguntei-lhe pelas batatas.
- Espera aí. Meteu-se uma pedra numa bota lá em cima na serra e vem a magoar-me, tenho que a tirar.
- Estás a ver… o teu irmão é um mouro de trabalho, nem tempo tem para tirar a pedra da bota.
Era assim o António, não tinha tempo.
- António, o tempo agora é todo teu. Descansa em paz.

Do teu irmão Filinto 



domingo, 27 de janeiro de 2013

ROSTOS

Regressemos a este assunto com uma fotografia que me foi gentilmente enviada há já algum tempo.


Quem são, então, as pessoas que vemos nesta fotografia?




1 - P.e Carlos Alberto
2 - Filinto Martins
3 - Lúcia Martins
4 - António Fernandes

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Neve em Rebordaínhos

Aqui vão algumas fotos para complementar o post da Augusta!

Finalmente chegou

Há uns dias atrás veio tímida, chegou apenas para dizer olá e partiu.
Hoje veio para uma visita mais longa. É dia de trabalho e, como tal, impossível publicar imagens de Rebordainhos. Contentem-se assim com imagens de Bragança e da serra de Nogueira.



Há dias na Senhora da Serra













Hoje em Bragança começou assim.











Na serra de Nogueira à tarde estava assim.





















E anoiteceu assim em Bragança.











Espero que tenham mitigado, pelo menos um pouco, as saudades desta beleza imaculada.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

AINDA OS REIS: NOVOS OLHARES

Um outro conto da montanha


por
António Carloto e Ilda correia



Rebordainhos, 6 de Janeiro de 2013

Chegados à aldeia, não foi muito fácil ver a festa dos Reis como se fôssemos dois estranhos vindos da cidade; desde o início todos os vizinhos nos abriram as portas de suas casas e partilharam connosco a mesa que estava posta, aguardando a chegada do careto e dos cantadores. Tornaram-nos parte da comunidade.

O primeiro momento que nos fez realmente abrir os olhos foi a paragem à porta do cemitério, efetuando-se as orações. Pareceu-nos um momento mágico em que o careto assume, mais do que nunca, a sua ancestral ligação entre os que agora rezam e aqueles que já partiram.

Pudemos verificar que a maioria dos lares pediu para rezarem; o nível etário da população não será estranho a este facto, mas confere à visita uma dimensão religiosa que só terá equivalente no compasso pascal.

A população da aldeia pareceu-nos muito recetiva, creio não ter havido casas que recusassem a festa. Em algumas delas, o telefone estendido a enviar o canto dos Reis para o estrangeiro deixou-nos um pouco sem palavras, imaginando como seria estar do outro lado da linha; ainda alguns pequenos gestos, como uma neta que abraça a avó enquanto se canta, diz bem do alcance simbólico do momento.

Surpreendeu-nos o cantar polifónico das quadras, com os cantadores em cruz, à semelhança do que se fazia até à década de 60, em algumas zonas do país, nos cânticos das almas. As quadras sobre os reis magos, Cristo Redentor, ou mesmo a do raminho, pareciam vindas de um passado que só conhecíamos dos livros de história.

E o careto?
Diabo cristianizado e, talvez por isso, sobrevivente até aos nossos dias (como em Bemposta – Mogadouro e Montamarta – Zamora) foi sempre o primeiro a entrar dentro das casas. É um caso único em que um mascarado é coprotagonista de uma festa religiosa como o cantar dos Reis. Muitos contribuíram com uma moeda de esmola, mas a maçã que transporta é mais do que um mealheiro, é um símbolo de fertilidade nas suas mãos, a quem fazemos um pedido para um bom ano agrícola ou de saúde. O enterrar da moeda no fruto como uma enxada entra na terra. Que o portador dos nossos desejos tenha também um bom ano.


Pensando nas coisas alguns dias mais tarde, a nossa passagem por aí pareceu mergulhar-nos num conto de Miguel Torga, feito de terra e pessoas com uma dimensão da paisagem que se vê das vossas janelas.

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António Carloto e Ilda Correia são o gentil casal de Coimbra que nos visitou no dia de Reis. Ambos tiveram a generosidade de escrever para nós o belo texto lá de cima e, perante o meu "Deus vos pague", responderam à maneira mirandesa: "Ya stá pago."

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

ORAÇÕES

Confesso-me: sou uma aproveitadora. Não perco uma oportunidade de pedir que me digam coisas que possa escrever, mormente se se trata daquilo que corre o risco de cair no esquecimento. Desta feita foi a tia Zulmira que, sem se enganar uma vez que fosse, me ditou a

ORAÇÃO DAS 12 PALAVRAS

(que deve ser dita quando a pessoa está para morrer)


- Custódio, amigo meu
- Custódio sim, amigo teu não
- Custódio, amigo meu
- Custódio sim, amigo teu não
- Se sabes as doze palavras, ditas e tornadas, diz-me a uma.
- Direi, direi, que bem a sei:
   A uma é a Santa Casa de Jerusalém
   Onde Jesus Cristo por nós morreu, amen.

         - Custódio, amigo meu
         - Custódio sim, amigo teu não
         - Custódio, amigo meu
         - Custódio sim, amigo teu não
         - Se sabes as doze palavras, ditas e tornadas, diz-me as duas.
         - Direi, direi, que bem as sei:
            As duas são as duas tabuinhas de Moisés
            Onde Jesus Cristo põe os pés
            A uma é a Santa Casa de Jerusalém
            Onde Jesus Cristo por nós morreu, amen.

                   - Custódio, amigo meu
                   - Custódio sim, amigo teu não
                   - Custódio, amigo meu
                   - Custódio sim, amigo teu não
                   - Se sabes as doze palavras, ditas e tornadas, diz-me as três.
                   - Direi, direi, que bem as sei:
                     As três são as três trindades
                    As duas são as duas tabuinhas de Moisés
                    Onde Jesus Cristo põe os pés
                    A uma é a Santa Casa de Jerusalém
                    Onde Jesus Cristo por nós morreu, amen.

         - Custódio, amigo meu
         - Custódio sim, amigo teu não
         - Custódio, amigo meu
         - Custódio sim, amigo teu não
         - Se sabes as doze palavras, ditas e tornadas, diz-me as quatro.
         - Direi, direi, que bem as sei:
            As quatro são os quatro Evangelistas
            As três são as três trindades
            As duas são as duas tabuinhas de Moisés
            Onde Jesus Cristo põe os pés
            A uma é a Santa Casa de Jerusalém
            Onde Jesus Cristo por nós morreu, amen.

- Custódio, amigo meu (...)
   diz-me as cinco.
- Direi, direi, que bem as sei:
   As cinco são as cinco chagas
   As quatro são os quatro Evangelistas
   As três(...)

- Custódio, amigo meu (...)
   diz-me as seis.
- Direi, direi, que bem as sei:
   As seis são os seis círios
   As cinco são as cinco chagas (...)

(...) As sete são as sete lâmpadas (...)
         (...) As oito são oito coros de anjos (...)
  (...) As nove são os nove juízes (...)
          (...) As dez são os dez Mandamentos (...)
        (...) As onze são as onze mil virgens (...)
       (...) As doze são os doze Apóstolos (...)

           - Custódio, amigo meu
- Custódio sim, amigo teu não
- Custódio, amigo meu
- Custódio sim, amigo teu não
- Se sabes as doze palavras, ditas e tornadas, diz-me as treze.
- Direi, direi, que bem as sei:
Treze raios tem a Lua
Treze raios tem o Sol
Reza, reza, Satanás,
Que esta Alma não é tua!

____________ ///____________ 
 Do fundo do coração, agradeço à tia Zulmira que teve a enorme gentileza e paciência de me aturar. Com a sua ajuda, esta oração, que eu não conhecia, tem aqui o seu registo e perdurará pelos tempos dos tempos. Muito obrigada também ao meu primo Toninho, seu filho, que tirou as fotografias e mas ofereceu.
Que Deus lhes pague os e abençoe.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Passaportes

II

Regresso com a identificação de passaportes, e como pede Zeca Afonso venho com mais cinco. Desta vez a ver vamos se é identificada toda a gente.



1
Nome: Manuel Inácio Alves
Data do Passaporte: 1956
Nascimento: 1930




2
Nome: Maria Alice Martins
Data do Passaporte: 1963
Nascimento: 1943




3
Nome: Guilherme Augusto Fernandes
Data do Passaporte: 1953 
Nascimento: 1926

4
Nome: Mário Augusto Fernandes
Data do Passaporte: 1958
Nascimento: 1929



5
Nome: Cândido Augusto Fernandes
Data do Passaporte: 1951
Nascimento: 1922