quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O BUÍÇA




Agora que falamos tanto de República, vem a propósito lembrar que tudo começou com um crime horrendo: o regicídio. Este é dos assuntos que gera debates mais acesos entre os historiadores, mas isso não é para aqui chamado. O que vem a propósito é que um dos dois assassinos se chamava Manuel da Silva Buíça e era natural de Vinhais, embora vivesse em Lisboa. Os transmontanos não lhe louvaram o acto e escreveram uns versos a propósito. Assim, mais uma vez da memória do tio Manuel:



...............................O Buíça de Vinhais
...............................filho de boas pessoas
...............................matou el-rei D. Carlos
...............................à entrada de Lisboa.

...............................Logo à primeira descarga
...............................el-rei D. Carlos falou:
...............................-Adeus mulher e meus filhos,
...............................a minha vida acabou!

...............................Ó Buíça, ó Buíça,
...............................ó Buíça, ó ladrão,
...............................mataste el-rei D. Carlos,
...............................tu te deste à prisão.

...............................Ó Buíça, ó Buíça,
...............................ó Buíça de Vinhais
...............................mataste el-rei D. Carlos
...............................com quatro tiros mortais!

...............................E o rei D. Manuel de Bragança,
...............................filho de D. Carlos I
...............................para se livrar da morte
...............................fugiu para o estrangeiro!

Nitidamente, estes versos foram escritos após a implantação da República, porque há um salto no tempo entre as duas últimas quadras.

Diz-me, também, o tio Manuel que uma sobrinha (ou prima?) do Buiça, chamada Gracinda, ia frequentemente a Rebordaínhos (normalmente no Verão) e ficava em casa do tio Pereira. Diz ele que o tio Pereira a conheceu em Vinhais, vila onde ia muito para tratar dos seus negócios. Essa rapariga chorava com vergonha, sempre que alguém lhe falava do familiar assassino.

O regicídio foi amplamente falado na imprensa nacional e internacional. Como não havia a disponibilidade que temos hoje de tirar fotografias, os artigos eram ilustrados com desenhos que tentavam ser fiéis aos factos. Deixo aqui algumas.

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Se alguém tiver curiosidade em ler uma descrição dos acontecimentos, aqui fica a página da revista "Ocidente".

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CARTA TESTAMENTO DE BUÍÇA

Manuel dos Reis da Silva Buiça, viuvo, filho de Augusto da Silva Buiça e de Maria Barroso, residente em Vinhaes, concelho de Vinhaes, districto de Bragança. Sou natural de Bouçoais, concelho de Valpassos, districto de Vila Real (Traz-os-Montes); fui casado com D.Herminia Augusta da Silva Buíça, filha do major de cavalaria (reformado) e de D.Maria de Jesus Costa. O major chama-se João Augusto da Costa, viuvo. Ficaram-me de minha mulher dois filhos, a saber: Elvira, que nasceu a 19 de dezembro de 1900, na rua de Santa Marta, número… rez do chão e que não está ainda baptisada nem registada civilmente e Manuel que nasceu a 12 de setembro de 1907 nas Escadinhas da Mouraria, número quatro, quarto andar, esquerdo e foi registado na administração do primeiro bairro de Lisboa, no dia onze de outubro do anno acima referido. Foram testemunhas do acto Albano José Correia, casado, empregado no comércio e Aquilino Ribeiro, solteiro, publicista. Ambos os meus filhos vivem commigo e com a avó materna nas Escadinhas da Mouraria, 4, 4º andar, esquerdo. Minha família vive em Vinhaes para onde se deve participar a minha morte ou o meu desapparecimento, caso se dêem. Meus filhos ficam pobrissimos; não tenho nada que lhes legar senão o meu nome e o respeito e compaixão pelos que soffrem. Peço que os eduquem nos principios da liberdade, egualdade e fraternidade que eu commungo e por causa dos quaes ficarão, porventura, em breve, orphãos. Lisboa, 28 de janeiro de 1908. Manuel dos Reis da Silva Buiça. Reconhece a minha assignatura o tabelião Motta, rua do Crucifixo, Lisboa.


Repare-se na data. Mataria o rei no dia seguinte, em conluio, pelo menos, com outro regicida, António Costa.

7 comentários:

Rui disse...

Obrigado por ir deixando aqui todos estes pedaços de História. Sempre bem escolhidos e ainda melhor relatados.

Em vinhais, ele é também recordado:
http://www.jornalnordeste.com/noticia.asp?idEdicao=336&id=14689&idSeccao=3022&Action=noticia

Beijos,
Rui

Augusta disse...

Realmente só tu, para na horinha certa, nos dares a conhecer os factos que fazem parte da nossa história.
Já sabia que eras "rata de biblioteca", mas com esses pormenores todos, deves ser é "leirão de bibliotecas e arquivos"
Beijos

Augusta disse...

Rui:
Obrigada e parabéns por também tu mostrares ser uma pessoa muito atenta.
Beijos

Joaquina Salgueiro S.C. disse...

Olá colega ,uma boa aula de História .Certamente, muitos ignorarão estes pormenores desta fase da nossa passagem para a .
República , a começar por mim que desconhecia o poema . Sempre a aprender...
Ab.
Quina

Fátima Pereira Stocker disse...

Rui

Obrigada eu!

Sobre o Buíça... sabes que me confunde muito que se homenageiem assassinos.

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Augusta

Creio que foi a primeira vez que se usou "leirão" como elogio. Obrigada!

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Quina

É normal que não conhecesse os versos porque fazem parte de uma tradição oral que, penso, é apenas, local.

Um abraço